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No Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos (5/5), vale lembrar que uso errado pode trazer riscos 

A mãe leva a filha com febre à emergência do hospital. O médico receitou um antiinflamatório, mas ela queria algo “mais forte”: um antibiótico, mesmo que a dor na garganta da criança sugira uma infecção viral. Em outra ala, um paciente tem sangue coletado para análise da presença de bactérias. O estado de saúde dele não é bom, mas pode  ser necessário esperar dois dias pela resposta dos exames laboratoriais. Essas são situações comuns, que podem remeter ao uso inadequado de antibióticos.

Toda a vez que se usa um antibiótico, uma porção das bactérias que habitam nosso corpo sem causar infecção  acaba criando resistência ao medicamento. Ao se tornarem resistentes, o combate a uma próxima infecção só se dará com medicamentos de uma classe mais potente.  É o que se chama de pressão seletiva. No exemplo da dor de garganta, usar antibiótico para combater uma infecção causada por vírus pode levar à resistência, explica o professor do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Afonso Barth. Quando a criança realmente precisar de antibiótico, terá de tomar um mais forte e com mais efeitos colaterais. 

No caso dos internados em hospitais ou instituições de longa permanência, existe chance de transmissão para outros pacientes, que podem ter o quadro agravado. “A pessoa internada em uma UTI fica mais suscetível. Se ela adquire uma bactéria resistente (de outro paciente), pode desenvolver uma infecção. É como surgem os surtos de infecção hospitalar, que podem levar à morte diversos pacientes", afirma Barth, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia/ Instituto Nacional de Pesquisa em Resistência Antimicrobiana- INPRA, sediado no HCPA, e que conta com outras quatro universidades brasileiras associadas. 

Outro cuidado fundamental quanto ao uso de antibióticos é respeitar a posologia, ou seja, as doses corretas e o intervalo entre elas. “Usar a dose menor pode ser tão prejudicial quanto o uso sem necessidade, porque também pode causar resistência”, afirma o infectologista do HCPA, professor Alexandre Zavascki, que defende a educação continuada dos médicos frente às mudanças na indústria farmacêutica. E, finalmente, atentar para o tempo correto de administração do medicamento. Para Zavascki, um dos maiores mitos que cercam os antibióticos é acreditar que apenas um tempo longo de administração é eficaz para combater infecções. “Evidências mostram que tratar por um tempo mais curto é tão efetivo quanto e diminui o risco de efeitos colaterais”, decreta. Ele cita como exemplo a pielonefrite, infecção nos rins que pode ser debelada em sete dias, mas que muitas vezes é tratada por duas semanas. “Se usar por 14 dias vai pressionar as bactérias do intestino e pode aumentar os  efeitos adversos, como alergias, problemas hepáticos e hematológicos”, exemplifica. Por isso é tão importante respeitar a dose indicada pelo médico.

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Professores Barth e Zavascki observam bactérias

Testes mais rápidos - Uma das frentes de estudo do INCT/INPRA é para desenvolver testes que reduzam o tempo de identificação das bactérias. O processo tradicional  inicia na coleta do sangue ou de outro material do corpo humano. Mas é necessário esperar que a bactéria se desenvolva, para só então identificá-la e, depois disso, testar a sua sensibilidade ao antibiótico. O resultado leva cerca de 48 horas para ser entregue pelo laboratório. Neste período, é comum que os médicos receitem medicamentos de mais largo espectro, capazes de combater uma gama maior de bactérias, mas sem tanta eficácia. Ao reduzir esse período, o médico ganha tempo para indicar o antibiótico mais efetivo e aumentar a chance de cura.

Atualmente, dois projetos, iniciados este ano, estão em andamento no Laboratório de Pesquisa em Resistência Bacteriana (Labresis), do INCT/ INPRA. Eles utilizam a técnica do PCR Digital para detectar genes que são exclusivos da bactéria e de genes relacionados à resistência a antibióticos, logo que é feita a coleta. Outros estudos, já finalizados, usaram um equipamento chamado espectrômetro de massa, que identifica a presença de proteínas que costumam se proliferar antes mesmo do crescimento da bactéria. Na comparação com os métodos tradicionais, os resultados da técnica de espectrometria apresentaram concordância em torno de 95% dos casos.

Embora ainda em fase experimental, a expectativa em relação às pesquisas é alta. “Em duas horas poderemos informar o resultado do exame. Se essa resposta chega rápido, o médico pode adequar melhor o tratamento", projeta Barth. A rapidez nos testes traz um benefício adicional: quanto mais rápido o início do tratamento com o medicamento mais indicado, menos chances de proliferação da bactéria em ambiente hospitalar. Ainda não há previsão de quando os testes poderão ser adotados em laboratórios comerciais.

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Laboratório do Inpra desenvolve pesquisas sobre antimicrobianos